sexta-feira, dezembro 31, 2004

 
Não podia deixar o ano acabar sem dizer umas palavras. Venho despedir-me de coisas que já não me pertencem e venho também saudar as novas coisas que consigo ver de onde estou. Sem querer, começo a utilizar as metáforas à bruta. Não que tenha um gosto especial por elas, simplesmente torna mais fácil a escrita.
Os últimos dias que estive em casa serviram para ganhar fôlego para os desafios que se avizinham. No entanto, a palavra que melhor se ajusta a estes dias, é sem margem para dúvidas - reencontro! Tive surpresas que nunca esperei ter, tive conversas que não esperava fazer, reencontrei pessoas que não via faz muito tempo, reencontrei pessoas que já não sei quem são, reencontrei amigos que sei quem são, mas já não são meus! Resumindo, reencontrei-me com muito do que a minha vida é feita. Pena e pânico tenho, quando sinto que me esqueço de um só detalhe que seja. No fundo, são todos estes detalhes - pequenos - que me trazem o fôlego que preciso. Só hoje percebi isto!

sábado, dezembro 25, 2004

 
Natal!
Uma vez mais, o frio lá fora torna mais aconchegado o ambiente dentro de casa.
Não tenho prazer especial neste dia. Especial só mesmo porque é o único dia em que os meus avós jantam em nossa casa. Sendo a ocasião, por excelência, para avivar memórias e histórias já esquecidas.
Apesar de tudo, foi ontem que recebi o presente que já desejava há muito tempo. Foram memórias e histórias, mas sobretudo pessoas, que me encheram de alegria como se de uma prenda fosse. E foram também as prendas que acabei por dar. Mal sabia eu que tinha tanto! Muito mais do que imaginava!
Foi o culminar de uma semana em cheio. Afinal não terá sido em vão que fui a Évora respirar fundo para limpar o organismo do lixo acumulado. De outra maneira, era impossível ter recebido o que ontem recebi, e conseguir dar o que ontem acabei por dar. A quem tanto precisava e não só.

"Comptine d'un autre été - Yann Tiersen"

segunda-feira, dezembro 20, 2004

 
Finalmente tive um rasgo de lucidez. Implicou deitar muitas coisas no lixo. Foram algumas semanas de trabalho durante alguns meses, com algumas cadeiras mal feitas pelo meio. Contudo, a maior consequência foi finalmente perceber as linhas de que sou feito. E a forma como elas passam umas por outras, e conseguir ver algum padrão nesta manta de retalhos. Na verdade, vi mais do que realmente compreendo. O pouco que consegui decifrar foi suficiente para tomar a decisão mais importante que tomei nos últimos 7 anos da minha vida. Não descobri a porta certa, descobri sim mais uma errada. Apesar de tudo, com os passos que caminhei para trás, vejo agora a imensidão de escolhas que me possibilitam. É exactamente por causa disso que agora não consigo dormir.

" Vem por aqui"
- dizem-me alguns com olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse.

Quando me dizem: "vem por aqui"
Eu olho-os com olhos lassos
Há, nos meus olhos, ironias e cansaços
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali.

A minha gloria é esta
Criar a desumanidade !
Não acompanhar ninguém.

- Que eu viva com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre da minha Mãe.

Não, não vou por ai! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vos responde,
Por que me repetis: " vem por aqui "?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por ai...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada !
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas , e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos ?...

Corre, nas nossas veias, sangue velhos dos avós,
E vós amais o que e fácil !

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.

Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me de piedosas intenções !
Ninguém me peça definições !
Ninguém me diga : "vem por aqui "!

A minha vida é um vendaval que se soltou.
E uma onda que se alevantou.
E um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!


Cântigo negro, José Régio

domingo, dezembro 12, 2004

 
O pânico de ser sempre igual!

"You see her, you can't touch her
You hear her, you can't hold her
You want her, you can't have her
You want to, but she won't let you"

sexta-feira, dezembro 10, 2004

 
É estranho e ao mesmo tempo curioso quando são sextas feiras os dias em que mais coisas tenho para dizer. De sexta feira só tem a madrugada que já vai longa, porque no fundo, é sempre na noite de quinta de onde as palavras surgem. Mais uma vez, esta não é excepção!
Do jantar, do café, do concerto, dos amigos e amigas, do depois, dos copos, das conversas, da boleia, do meu regresso. Mudam os detalhes embora o argumento continue igual. E eu tenho sempre demasiado para dizer que nunca digo!

"pluto - a vida dos outros"

terça-feira, dezembro 07, 2004

 
Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

José Carlos Ary dos Santos


Descobri este poema há já muito tempo. Ontem encontrei uma cópia que tinha numa folha. Não preciso dizer mais nada.

sexta-feira, dezembro 03, 2004

 
Está frio lá fora.
Aqui dentro, valem os mp3 e o aquecedor que ininterruptamente ligado, dá o aconchego para viver. O tempo corre rápido quando está frio na rua. Os dias de inverno não custam tanto a passar quando se está sozinho em casa...

"Aimee Mann - Invisible Ink"

quarta-feira, dezembro 01, 2004

 
A minha vida tem sido uma sucessão de momentos que embora pareçam encadeados uns nos outros, não passa de uma enorme confusão de histórias. As que tenho para contar, as que não quero contar, as que gostaria de contar, as que não sei contar e também aquelas que não vou viver nunca.
Da mesma maneira que estava perdido quando te encontrei. Continuo à mesma perdido! Mesmo passado este tempo todo. Na confusão dos dias, das peças do puzzle que vou construindo a cada instante, foste todo um quadro que não tem margens. De maneira que não sei onde te possa encaixar tendo em vista o resto da pintura. Tudo o que vivemos, foi uma história igual a tantas outras. Houve o principio de tudo e o principio do nada. Não sei onde ficamos. Não sei se vais esperar por mim. Imagino que sim, mas sinto que isso não vai acontecer. É daquelas sensações que por vezes me fazem adivinhar o tempo, os dias e as pessoas. Logo tu, a quem eu conheço como mais ninguém. Por mais racional que possa seguir nas tuas deduções, acabo invariavelmente por prever as tuas escolhas verdadeiras.
Achas que isto me incomoda? Pode até incomodar, mas na verdade te digo, que tenho horas que este dom me dá algum controlo. Para ter a sanidade mental que preciso para viver os dias. Já disse "dias" demasiadas vezes neste dia. E já fazem muitos dias que não sei nada de ti. Nem dos teus dias! Tantos dias como os dias que podia apanhar a tua mão quando ma davas e os teus olhos quando me fulminavas. Pensavas que ficava para sempre contigo? Não tenho que pedir desculpa! Não fui eu quem te roubou, roubaste-me, e eu gostei. Porque foste tu e não outra. E também sabes o quão grato eu estou, porque no mesmo dia em que me perdeste, acabaste por me salvar.